Noite LGBT

Noite LGBT

 

Continuando o trabalho de conhecer quem faz a NOITE LGBT por aí, a bola da vez é uma boate “debutante” de São Paulo que sempre ouço algo a respeito por dois amigos meus que batem ponto por lá com certa frequência. Infelizmente ainda não conheço o clube, mas meus amigos garantem que o lugar é quente. Também, pudera, com um promoter de sobrenome Malagueta, não poderia ser outro o clima.

Com vocês, Tico Malagueta, do Clube A Lôca.

Antes de mais nada: por que “A Lôca”? É uma referência ao dono(a) da boate?

R: Não, não é referência! (risos) Até porque, no começo, A Lôca não tinha um dono só. Acho que é mais referência ao público.

Como surgiu A Lôca?

R: A mais de 15 anos! Existiam em São Paulo várias outras casas que tinham muita importância para o cenário da época, que dava ascensão à música eletrônica e o movimento clubber. No lugar onde está a Lôca, funcionava a baladinha Samantha Santa, que durou seis meses. Em Julho de 95, várias dessas casas importantes estavam chegando ao fim, e a junção de todas elas gerou a Lôca, que passou a ser única no segmento eletrônico.

Quem são “as lôcas” por trás da Lôca?

R: O primeiro promoter foi Nenê Krawitz, que está com agente até hoje! Renato Lopes e Mau Mau foram um dos nossos primeiros DJs. André Pomba, outro dj e promoter, chegou pouco tempo depois, e também está até hoje. Algumas pessoas do nosso staff estão na casa há mais de 10 anos, como nossa hostess mais diva: Renata Fassina.

A Lôca é uma boate underground ou LGBT? Ou as duas definições, neste caso, significam a mesma coisa?

R: O movimento clubber foi underground e, para época, uma casa LGBT também era. Hoje, eu acredito que já não exista esse “submundo” referente à sexualidade, já que a noite gay é a melhor noite de São Paulo. Mas ainda conservamos traços underground na decoração e um pouco no som.

Como é o público da boate?

R: A Lôca é uma das poucas casas que não tem um público definido! Lá aparecem pessoas de todos os tipos, idades, classes... Todo mundo é sempre bem vindo!

Como é a frequência heterossexual na casa?

R: São muitos, e alguns são clientes fiéis! Como A Lôca tem todo tipo de gente, posso afirmar que quem entra lá não tem nenhum preconceito!

Durante os 15 anos de existência da casa, por quais mudanças passou as noites de “locuras”?

R: Várias mudanças! A mais perceptível é na música. A Lôca acompanha as tendências musicais, e apesar de manter algo do nosso underground, o novo se mistura com a old school, e isso é incrível!

Além da opção musical variada, quais outras atrações a casa oferece?

R: Shows de drags acontecem sempre, geralmente as quintas e domingos. Inclusive, há quase 10 anos, Silvetty Montilla, a maior drag do Brasil, se apresenta na Lôca sempre trazendo alguma atração especial. Alguns gogo’s aparecem às quartas, e vários outrosperformers se apresentam por lá. E o dark room, no lounge do segundo andar, ferve.

Para cada período a seguir, cite uma (ou mais) música, cantor(a) ou grupo que não poderia ficar de fora da pista da Lôca – 1996, 2000, 2005 e 2010/11.

R: Eu não vivi todas essas épocas! Sou novinho, tenho 23 aninhos (risos). Falando do meu gosto pessoal, algumas músicas dessas épocas que eu costumo tocar são: “Who Do You Think You Are”, das Spice Girls (1996); “One More Time”, do Daft Punk (2000); “Hung Up”, da Madonna (2005) e “Firework”, da Katy Perry (2010 / 11). Com certeza eu sou o mais “popezinho” dos djs da Lôca.

(Spice Girls, Daft Punk, Madonna e Katy Perry)

Boates LGBTs influenciam boates heterossexuais? (seja em relação à discotecagem, decoração, serviços oferecidos etc)

R: Com certeza! Aqui em São Paulo vemos muito isso. A noite gay é a maior em produção e público. Não tem como não ser referência.

Qual(is) o(s) segredo(s) de uma boa boate LGBT?

R: O segredo é muito mais simples do que se imagina! Basta criar um ambiente confortável, em todos os sentidos, e ter boa música, que o sucesso é certo. Claro que existem mil detalhes, mas esses dois são os essenciais.

Qual o “ponto forte” da Lôca?

R: Difícil definir, mas arrisco dizer que é o próprio público! Pessoas bonitas, interessantes, descoladas... Isso atrai todo mundo, não é?

Existe alguma época que a boate tenha um aumento do número de clientes, seja por ocasião de festas específicas ou datas comemorativas?

R: Datas comemorativas sempre influenciam, claro! E comemoramos todas: fim de ano, carnaval, halloween, Páscoa... Enfim, todas. E sempre com decorações especiais. Um período ótimo são os meses de dezembro e janeiro, como para qualquer negócio, não é? E o carnaval da Lôca é bem procurado! Todos os dias são lotados!

É comum pessoas irem à a boate com a desculpa de estarem lá “por curiosidade” e depois de um tempo você as ver totalmente “integradas”?

R: Muito comum! Tem gente que precisa dar ouvido a essa curiosidade pra viver o que é bom pra si. Então, que seja assim!

Colocando de lado o conceito de politicamente correto, para alguém “se dar bem” na noite o que vale mais: um bom papo ou uma boa aparência física?

R: É um conceito dividido, viu? Não acho que todo mundo quer ferver, como parece acontecer no mundo gay. Não são poucas as pessoas que querem algo sério, intenso, mais ‘fundo’, sabe? Se você quiser se dar bem só naquela noite, conta a aparência, claro. Mas se quiser se dar bem além de uma noite, aí o papo importa muito mais. Quem não gosta de gente interessante?

Qual bebida / drink agrada mais ao público da boate?

R: Os mais tradicionais. Nada com mega elaboração, sabe? Pessoalmente, eu adoro sake com frutas.

Falando em bebida, ainda acontecem casos de “boa noite Cinderela”? Como acontece o trabalho de segurança de identificar pessoas que apliquem esse golpe e barrá-las?

R: Nossa equipe de segurança é bem esperta quanto a isso. O chefe da segurança está na Lôca há anos, e conhece bem o público. E temos um sistema de segurança interno bem moderno. Afinal, precisamos manter um ambiente seguro e agradável.

Excetuando A Lôca, qual outra boate, do Brasil ou do exterior, que você considere das melhores que há?

R: A Lôca é minha paixão! Mas antes de chegar aqui, eu fui coroado rei da famosa Trash 80's! (risos) É uma festa que eu tenho muito carinho.

Faça um convite para nossos internautas irem à sua boate.

R: Galera, não dá para estar em São Paulo e não passar pelo menos uma vez na Lôca! Abrimos de terça a domingo com os melhores djs da cena, e com certeza temos o público mais animado da cidade! Se possível, passem lá no domingo, dia que eu sou residente! (risos)

 

NOITE LGBT

Dia desses estava conversando com amigos quando surgiu durante o papo a coisa da “noite LGBT”. Hoje em dia é mais do que normal haver boates LGBTs aqui e ali (pelo menos nos grandes centros urbanos de países democráticos), muitas até frequentadas por heteros ou pseudo-heteros (sabe-se lá!). Mas e há 30, 40, 50 anos? Onde a galera LGBT se reunia para dançar, beber e beijar na boca?

Imbuído desta curiosidade, resolvi fazer uma pesquisa nada acadêmica sobre o tema, até porque não é esta a proposta do site (como também não era essa a proposta do papo que deu origem a esta pesquisa). Por isso, fiquemos na informalidade. Até porque se eu dissesse que a primeira boate LGBT foi esta ou aquela, certamente surgiria algum cabeçudo para me contradizer.

Para falar da “noite LGBT”, é necessário, primeiro, falar do surgimento do conceito de boate, discoteca, lounge, clube ou, seja lá, o nome que você use para definir um lugar de música, bebida, diversão, beijo na boca e, talvez, saliência.

Entre os anos de 1900 e 1920 os americanos costumavam se reunir em dois tipos de estabelecimentos que, talvez, possam ser tomados como precursores das boates, sendo estes:

  • Honk-tonkies, muito comuns no sul e sudoeste dos EUA. Eram ambientes freqüentados pela classe trabalhadora em busca de bebida e música country tocada ao vivo. Ah, alguns honks também contavam com prostitutas e shows “picantes” para um melhor entretenimento de seus clientes. Pela descrição deste cenário imagino que estejamos falando daqueles bares mostrados em filmes de faroeste, de modo que o tal show picante era o can-can (que comparado com alguns shows atuais era pra lá de comportado);

 

  • Juke joints, muito comuns no sudeste dos EUA. Eram estabelecimentos informais de música, dança, jogos e bebidas. Alguns acreditam que o termo juke derive de joog, palavra originária do inglês crioulo falado pelos negros sulistas (seria esse dialeto o mesmo usado por alguns cantores negros, como Billy Paul, que pronunciam palavras incompreensíveis?). Joog era um termo usado para passar a idéia de desordem (daí umajukebox tocar músicas de forma “desordenada”). As juke joints ficavam principalmente em áreas rurais, e eram freqüentadas pelos negros, pois estes eram proibidos de frequentar bares “de branco”. Muitos historiadores apontam os juke joints como responsáveis pelo surgimento do blues.

 

(Curiosidade: a pancadaria era uma característica em comum entre os dois tipos de bar.)

Durante a Lei Seca nos EUA (maravilhosamente retratada por Brian de Palma no filme “Os Intocáveis”) esses bares passaram a funcionar na clandestinidade. Quando a lei foi revogada (fevereiro de 1933), os bares escancararam suas portas com força total. Dentre estes, um que se destacava tinha o nome de Copacabana... Curioso como este nome sempre esteve associado a entretenimento.

Enquanto rolava a Segunda Guerra Mundial (1939 – 45), os nazistas proibiram as “influências decadentes americanas”, dentre estas o jazz e bebop (não confundir com o javali punk inimigo das tartarugas ninjas, este sim uma influência decadente americana!).

(Bebop)

A galera da resistência francesa passou a se reunir em locais clandestinos (basicamente porões) chamados de discothequès para curtir a boa “decadência americana” (reparem como o conceito de um lugar de música, bebida e diversão sempre esteve associado à desordem, não no sentido de bagunça, e sim de aliviar as tensões geradas pela “ordem” instituída). Nestas discothequès, quando não havia uma jukebox à disposição, alguém subia em uma plataforma para comandar os toca-discos (olha aí o surgimento do que hoje chamamos de DJ!). É importante lembrar que mesmo na Alemanha nazista havia locais deste tipo liderados por alemães anti-nazistas (o que reforça essa idéia de “desordem”).

Ainda na França, na cidade de Paris, Régine Zylberberg, uma cantora francesa de origem belga e judia, fato que a fez viver escondendo-se dos nazistas (apelidada de “rainha da noite” pela imprensa americana), fundou em 1947 o clube Whisky a Gogo, que em 1953 substituiu a jukebox por dois toca-discos, de modo que não houvesse pausa entre uma música e outra. Régine também inovou ao usar luzes coloridas na pista de dança. Detalhe, em 1953 ela tinha apenas 24 anos!

(Régine Zylberberg)

No início da década de 60, em Londres, o empresário Mark Birley inaugurou uma discoteca para sócios chamada Annabel (o nome foi uma homenagem à sua esposa). Dois anos depois a Peppermint Lounge foi fundada em Nova York, e foi lá que surgiu o conceito de gogo’s (só que nesta época havia apenas gogo’s girls, e estas dançavam muito mais vestidas que nos dias de hoje).

(Mark Birley, Annabel e Peppermint)

Bom, levando em consideração a historinha acima contada, podemos deduzir que a primeira boate gay que se tem notícia deve ter surgido depois de 1900, correto?

Errado! Queridos, LGBTs estão sempre adiantados quando o assunto é diversão, vocês não sabiam?!

Olhem só o bafão (ou bas-fonds, que pode significar submundo – descobri isso durante a pesquisa) que rolou em 1810! (prestaram atenção no ano? Século XIX!) Neste ano, em Londres, Jared Inding tinha uma casa de entretenimento chamada Cisne Branco (com um nome assim só podia ser coisa de viado). Certo dia a sociedade careta da época invadiu o Cisne e, durante a revolta, dois clientes acabaram mortos. O crime? Sodomia! Inclusive, o local era frequentemente usado para a realização de casamentos gays pelo reverendo John Church.

Em 1906 foi inaugurado em São Francisco, na Califórnia, o Bar Gato Preto. Em 1921 o bar fechou as portas, reabrindo em 1933 para encerrar de vez suas atividades em 1963. Entre 1933-63 o bar começou a ser frequentado por boêmios e beats (uma galera composta por escritores muito incensados nas décadas de 50 e 60, liderada por Jack Kerouac. Quem quiser conhecer um pouco mais sobre o movimento beat fica a dica do filme “Sem Destino”). Aos poucos a galera beat foi perdendo vez para os gays (ou teriam os beatsfrequentadores do bar descambado para a turma LGBT?). O fato é que o Gato Preto teve grande importância na militância LGBT, pois foi centro de uma batalha jurídica para estabelecer proteção à galera colorida de São Francisco.

(Bar Gato Preto)

Já em 1927 foi a vez das sapatas marcarem presença na “noite LGBT”. Bet van Beeren fundou em Amsterdã o Cafe T' Mendje, o primeiro bar gay da Holanda. Ainda hoje o bar existe, mas funciona como uma espécie de museu, pois a decoração foi preservada pela sobrinha de Bet.

(Bet van Beeren e Cafe T' Mandje)

Bom, minha pesquisa vai até esse ponto. Talvez alguns se perguntem: “e o resto?”

Bem, o resto é história! E como quem vive de passado é museu, a partir de hoje começo uma série de entrevistas com os responsáveis por algumas boates do país, na tentativa de criar um cenário da “noite LGBT” no Brasil. Obviamente não conheço todas as boates, de modo que peço a sugestão dos internautas para me indicar casas noturnas bacanas para fazerem parte desta lista.

Ah, mais uma coisa. Boate lembra bebida e, algumas vezes, sexo. Por isso:

  1. Se beber, não dirija. Se dirigir, não beba;
  2. Camisinha, sempre!

(ok, concordo que os dois conselhos são caretas... Mas ainda são conselhos válidos.)

Boa diversão!